01 julho 2014

Bruno Fagundes em Tribos: a arte de ouvir e ser ouvido, mesmo que você seja surdo.

Assisti a peça Tribos, com Bruno Fagundes e Antonio Fagundes. Filho e pai.  E a grata surpresa é que a  personalidade forte do ator pai não apaga a do ator filho, que faz bonito em cena, interpretando um surdo, que sabe falar, e faz leitura labial com grande capacidade. Claro que ele é  quem melhor se comunica,  ali naquela  “tribo” , uma família onde cada integrante parece mais voltado para o próprio umbigo.
                                                  cartaz da peça, com os nomes dos atores


Interessante metáfora  para esse pai e esse filho. É o Bruno Fagundes ganhando maioridade numa família de atores: com seu desempenho nessa peça, ele passa de vez, a ter  voz  no meio teatral. Não é mais só um filho do pai. "Infante” -é "aquele que não fala, ainda”.  E a gente vê que ali, Bruno dá claramente o seu recado. Aproveita muito bem a oportunidade de ter um pai famoso, que chama público. E não se encolhe embaixo da mesa. Vale a pena ir ao Teatro para vê-lo.
                                                      Bruno Fagundes, ótimo ator

Antônio Fagundes é generoso: faz sua parte, muito bem,   como sempre. E deixa seu filho brilhar com o personagem mais tridimensional, interessante e  cheio de nuances.  A peça ganha mais vida e naturalidade quando a namorada do rapaz surdo entra em cena:  a atriz Arieta Corrêa, que também   interpreta uma deficiente auditiva ( bem melhor a palavra surda, do que deficiente alguma coisa, ou portadora de necessidades...vamos acabar com os eufemismos que escondem  preconceito com aquilo que é tão natural, da vida). Então,como eu ia dizendo a atriz Arieta ,  tb é surda na peça.  E incentiva seu namorado a falar  pela linguagem de sinais. Que aliás,  é comparada com a linguagem das palavras. E fica a questão:qual das duas é mais rica? Interessante também esse ângulo da conversa.

Muito bom  o texto, que fala  do ouvir, do escutar, do dizer. Do compreender. Do expressar. E especialmente, fala da linguagem.  Tudo é linguagem. A maneira de vestir, de andar , de se comportar,  de se posicionar. É preciso saber interpretar os diversos modos de ser,   de cada um.  É disso que se trata nesse espetáculo.  Mas podemos ainda desmembrar e multiplicar o assunto:  tem a linguagem teatral no meio disso.

E ao final,  Antonio Fagundes convida a todos para um meio debate, meio palestra. Onde conta rapidamente e com simpatia, que aquele grupo é uma cooperativa sem patrocínio e portanto, depende da bilheteria. De nós irmos lá,  prestigiar. Fala que assistiram a mesma peça nos Estados Unidos e era uma concepção completamente diferente. É, claro, uma peça tem cenário, figurino,  luz,  atores, modos de interpretar. Tudo isso regido por um diretor. Em cima do texto de alguém . No caso, a autora inglesa,  Nina Raine. E o diretor brasileiro, Ulisses Cruz.

Eles aqui em São Paulo, no TUCA,  optaram por um tipo de montagem mais clássica. Sem fumaças ou cenários super modernos, mas com recursos atuais. Uma escolha.  Fagundes fala também do público Inglês,  capaz de assistir Hamlet, umas 20 vezes , só para saber como  aquele grupo X, resolveu a nova montagem. Maravilhoso isso.  Difícil de se conseguir num Brasil ainda engatinhante culturalmente. Até por que a dinâmica e o  interesse pela cultura é uma conseqüência da Educação. E como ainda estamos hoje em dia?  Paulo Freire, que poderia com seu método, alfabetizar o Brasil inteiro em dois anos, já morreu . Nosso grande Educador não foi aproveitado em vida. Bem que poderia ser homenageado agora, com um país  que saiba ler, escrever, votar e ir ao Teatro.
                                                O grupo de atores trabalha em cooperativa.
                                                          Parabéns para  vocês.

Enquanto isso, algumas pessoas já podem ir ao Teatro.  E se podem, por favor, é para ir mesmo. Minha filha de 13 anos gostou muito da peça.  Eu também comecei a ir ao Teatro “adulto”mais ou menos com essa idade. E considero parte da educação de alguém. Assim como  ler bons livros, ver bons filmes, ouvir música de qualidade.  Fazer aula de dança. Tudo soma.

Seja qual for  a sua tribo, vá ao Teatro.  É um diálogo de muitas vozes, em tempo real. É o hábito de ficar calado enquanto o outro fala coisas interessantes. Ouvir, compreender. Pensa bem, que lindo.  Quantas possibilidades de escuta esse mundo nos oferece: do canto dos passarinhos, aos atores de Teatro. 

A cooperativa de atores  informa ainda que, em agosto,  o grupo  fará turnê  com esse espetáculo em Portugal .  E eu,  concluo esse post  por aqui. Sugerindo  que você inclua o Teatro nos bons  hábitos da sua vida. E aproveite para assistir Tribos. Vale o ingresso, com certeza.




4 comentários:

  1. foi uma peça que fiquei com muita vontade de ver. beijos, pedrita

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  2. Anônimo13:20

    Adorei teu texto, Camille. Como sempre, soube expressar em palavras o que viu e sentiu. Beijo grande!

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    1. Que bom que você gostou. Volte sempre. E deixe seu nome. Um abraço.
      Cam

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