no mesmo espaço.
Fui ver a mostra com uma amiga carioca, que veio especialmente para conferir a Bienal. Começamos pelo terceiro andar, que nos pareceu mesmo, ser o melhor. Ali, uma série de retratos do fotógrafo August Sander, nascido em 1876 em Colônia, Alemanha, mostra com realismo a sociedade alemã no período que vai do final da primeira para o inicio da segunda guerra mundial. E, através da multiplicidade de imagens, e da singularidade de cada expressão, gestual e atitude, prevê a qualidade do futuro que se aproximava. Um Q de desdém, empáfia, soberba , alienação e provavelmente um grande sofrimento, anunciava o surgimento de um delírio coletivo de poder: a atrocidade que foi o nazismo. Sander retrata sem nenhum pudor que ali, "o rei está nú" e que alguma catástrofe maior do que a miséria estava por se instaurar. Os rostos daquelas pessoas que já não existem mais, parte de uma época que deixou marcas profundas, além da pergunta: o que é afinal- ser humano?- reafirmam o efêmero da vida, ironicamente e sem disfarces, perpetuado em preto e branco, nas fotografias de um mestre da observação.
No mesmo espaço, uma outra série de fotografias complementa as imagens de Sander. Retrato do contemporâneo, da autoria do holandês Hans Eijkelboom, nascido em 1949, em Arnhem, Holanda. Ali, através de distintos agrupamentos e padrões, o fotógrafo mostra pessoas de diversos países, em situações comuns, flagrantes de rua. É interessante notar, a atitude de africanos carregando seus filhos já grandinhos para andar sozinhos, no colo. Hábito bonito, certamente herdado de comportamento tribal. Não só. Eijkelboom, denuncia de forma divertida, o consumo desenfreado, nas grandes metrópoles, além de uma gritante uniformização do vestuário, propiciada pela moda, vasão ao sentimento de pertença, tão caro ao ser humano. Quem veste jeans, a marca tal de roupas, a cor X da da revista Y, é gente. Transparecendo em muitas cores, que, apesar da descoberta e difusão ampla do inconsciente e da Psicanálise, que vem trazendo à tona, a consciência daquilo que somos, ainda insistimos em sermos primitivos, seguidores de qualquer coisa que pareça liderar um caminho a seguir. E não passamos de meninos perdidos procurando unidade em fatores externos.
Interessante esse fotógrafo holandês. Capaz de narrar sem palavras, tanta errância, no que a nós parece destino certo: sacolas de grifes caras, estampas de ideologias em camisetas, onças, listras, xadrezes, pinks, vermelhos, camuflados- ou não- e desafiar com a mesma pergunta -o que é afinal ser humano? Ao que parece, como massa, ainda estamos na adolescência. Por isso, incapazes de encontrar uma resposta madura e certeira. Mas temos fé. E continuamos tentando.
Ir a essa trigésima edição da bienal, já vale por essas fotografias. No mais, os funcionários estão muito bem treinados para auxiliar a compreensão da mostra. Indicam com simpatia onde está cada coisa, como: banheiros, guarda volumes, saída, restaurante. Conhecem o que está sendo exposto no espaço de sua responsabilidade e sabem explicar . Portanto, mesmo que você não saia de lá no maior dos entusiasmos, frustração não há de ser a visita.
Pauline Herbach (foto minha) |
Fui lá na página do livro (que eu nem sabia que existia), e deu tudo certo!
ResponderExcluirAmanhã volto lá... com mais calma pra ler ela toda!
Beijos... ótima semana pra vc!
A pagina é otima. Volte mesmo, para ver os comentarios.
ResponderExcluirBjos
fiquei com vontade de ver. beijos, pedrita
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirInteressante a aproximação dos trabalhos de Hans Eijkelboom e August Sander, porque permite relacioná-los e, ao mesmo tempo, identificar suas singularidades, semelhanças e diferenças entre as imagens.
ResponderExcluirGostaria de ver esse percurso, já que não parece ser uma mostra, por ser tão vasta. Sander, especialmente. Ele coloca o tipo acima do individuo – hoje quase cem anos depois, para o expectador não acadêmico, pode falhar sonoramente. É impossível não se deixar levar pelas máscaras que seus tipos vestiam e pelo teatro que ele montou. Há uma certa beleza trágica contida em suas fotos. É curioso como o trabalho dele vai se metamorfoseando ao sabor da história. Monumental e ambicioso ao ser feito, símbolo horripilante de sequestro da individualidade com a ascensão do nazismo e agora, quase 100 anos depois, esses rostos vem nos reclamar suas identidades, lançando olhares lancinantes e muito perturbadores. Já fiquei uma noite inteira olhando suas fotos.
Bom fim de semana!! Beijus,