15 fevereiro 2022

Mães paralelas de Pedro Almodóvar. Um conto sobre as origens de cada um.

     ( Pode ler, não tem spoiler, mas setinhas para seu olhar)


Assisti na semana passada. E agora, na estreia da Netflix,  para assimilar melhor. Parece um filme muito simples. Em que se deduz parte do enredo: uma situação que já vimos algumas vezes em outros dramas. 

  Tudo começa -e esse é o pano de fundo ou o fato principal deste enredo?- quando Janis, fotógrafa, personagem de Penélope Cruz,  faz uma sessão de fotos com um antropólogo forense, e o contrata para fazer uma escavação em  determinado lugar, em que supõe estar enterrado em cova rasa com outras pessoas, seu avô venezuelano morto durante a guerra civil espanhola. Janis não conheceu este avô. Mas sua história a ela foi narrada pela família, que ainda queria dar a esse homem  um enterro digno. Ter o direito de enterrar seus mortos.

   Acontece que a permissão legal para essas escavações demora um longo tempo, e assim nessa trama, Janis tem um caso com o tal profissional, casado, e dele engravida. 

   As mães paralelas se encontram na maternidade, dividindo o mesmo quarto, as duas em trabalho de parto: Ana é uma adolescente, interpretada pela ótima atriz Milena Smit, que engravidou sem querer, e não sabe quem é o pai. E Janis, uma mulher de 40 anos, que quer muito seu bebê. É a linda Penélope dando mais um show de interpretação, dessa vez tão mais contida, suave,  madura. Em um filme menos histriônico de Almodóvar. E também menos dramático em termos de interpretação. As duas personagens lidam com seus dramas de um jeito bem direto. E ao longo vamos vendo como as histórias paralelas se cruzam.

Janis, que tem seu nome em homenagem a Janis Joplin, dado por sua mãe adolescente, que  como a cantora,  morreu de overdose. A pequena Janis foi criada pela avó, e cresceu ouvindo histórias,  que a situam, em seu pertencimento, seu lugar na  familia, sua  pequena mas importante, convivência com sua mãe, vivificada pela narrativa da avó.

Ana é filha de uma atriz, que entrega sua guarda ao pai e dele se separa, para viver uma vida em busca de seu espaço no Teatro.  Recebe essa filha de volta, quando o pai desiste dela, grávida. Ana tem uma filha e se torna uma mãe dedicada e amorosa, embora não tenha tido o exemplo da maternidade. 

Para continuar aqui esse texto, eu teria que dar muito spoiler a quem ainda não viu. E vale muito a pena assistir, como entretenimento e como reflexão. O importante talvez seja ressaltar, para que você também aprecie esse ponto de vista, que Almodóvar redime as mães nessa trama. E quem conhece a obra do diretor,  sabe como a figura materna sempre teve forte importância dramática em alguns de seus filmes. 

Madres Paralelas remete as nossas origens. De onde eu vim? Quem sou eu? Qual é a minha história? Que lugar me deram nessa familia? Será que posso reinventar a ordem "natural" das coisas , e ter um outro olhar  e outro fazer diante da vida? Criar uma nova construção apesar dos alicerces que me deram e também por causa deles?

Os entraves, ,os segredos, vão se desvendando, como podem. No temor, na resistência e na coragem de enfrentar as próprias verdades. 

O filme termina com uma frase que se lê, do escritor uruguaio Eduardo Galeano ( gosto muito de seus livros) 


"No hay história muda. Por mucho que las quemen, por mucho que las rompan, por mucho que las mientan, la história humana se niega a callarse a boca".


Assista se puder, está na Netflix.


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