02 janeiro 2021

Voltando ao tema: Padre Julio Lancelotti, a invisibilidade dos moradores de rua , o programa Papo de Segunda, e a nossa própria cegueira diante da mais completa miséria.

       Com a exceção do Master Chef - que até encarei a nova versão,   e as vezes um "Saia Justa", não costumo assistir televisão. Nem para os telejornais. Prefiro ler as notícias. Mas, agora com o isolamento social continuado por tantos meses, passei a conhecer programas da televisão que estão gravados e alojados no Youtube.

     O Papo de Segunda é um deles. Comecei a assistir e gostei. Um formato que lembra o do  Saia Justa. Não sei se o "Papo" teve sempre as mesmas pessoas. Mas os que eu tenho visto participam: o Fabio Porchat, o Emicida, o João Castro, e o Chico Bosco.  É bem equilibrada a coisa.  O João parece amigão,  emotivo. E libera essa emoção nas perguntas que faz aos entrevistados. Foi bem bacana a postura que tiveram os quatro, entrevistando por exemplo, o Fabio Assunção. o respeito a dignidade do sujeito que já passou por tantas. Humor, principalmente a ironia e o sarcasmo- que nem considero humor, mas mau-humor,   tem o seu lugar, e não é ali, onde os entrevistados são convidados a expor suas vidas. O Emicida dispensa apresentações, cara bacana mesmo. Uma unanimidade, acredito. O Porchat para mim é uma revelação, um bom entrevistador. Talento diversificado. E o Francisco Bosco, que eu não conhecia, mas rapidamente encontrei, por que fui procurar, é filósofo e filho do compositor João Bosco, também  como os outros três,´é inteligente, antenado, sensível, e ainda, particularmente culto e atravessado pela psicanalise naquilo que fala. 

    No entanto, tem horas na vida que, como  diz a Gisele Bundchen, "menos é mais".  E ao entrevistar uma pessoa como o Padre Julio Lancelotti, o melhor que se pode fazer é escutar. Ele tem muito a dizer, por experiência de vida, pelas causas políticas e sociais que encara,  há muito mais tempo do que esses moços tem de nascidos- a primeira vez que ouvi falar no Padre Julio Lancelotti eu estava no colégio e ele, na luta contra a maioridade penal aos 16 anos, uma discussão que já estava circulando com força,   nos diversos  fóruns. 

Onde tem criança em sofrimento - o  "menor" ( categoria que define criança pobre, ja reparou? Como se o "menor" não fosse criança, mas menor, menos-diante daquela que as desigualdades sociais conferem o direito a ser criança) ,  gente de qualquer idade na mais completa precariedade, pode contar que o Padre Julio Lancelotti estará por perto procurando fazer o seu melhor, como ser humano, como autoridade conferida por seu consistente trabalho. Vocês já ouviram falar na Casa Vida, que abriga crianças com HIV? Que lindeza de obra. 

Então,  em julho desse ano, o citado programa chamou  o Padre Julio para falar sobre o  "fique em casa" em relação aos moradores de rua, e a propósito daquela declaração tão alienada da realidade, da primeira dama do  Estado:" é errado dar comida aos moradores de rua,  eles devem se conscientizar ( sic) e sair das ruas". 

  O "Papo" teve perguntas e declarações de admiração ao Padre Julio. E sua fala firme e serena (repetindo do post anterior): de que solidariedade não é uma questão de religiosidade mas de humanidade. Pensando bem,  diante de tanta coisa- será que ser humano ainda quer dizer Ser Humano? Mas foi ai que o Chico Bosco faria mais bonito, como sempre tem feito, se ficasse calado. Escutando.   "Ao invés de perguntar eu quero dizer umas palavras... etc".... Ok. Ai ele diz:  religião tem uma coisa muito bacana que é o "reconhecimento": ( conceito que Vladimir Safatle, também filosofo fala muito bem, em seus livros, para quem quiser ler...)  "Deus quer dar a você" continua o Chico ao Padre Julio.  Legal ne? Informação indispensável ao Padre Julio..  Não que tenha sido uma ofensa.. Foi bobinho. Não soa meio imaturo querer literalmente ensinar a missa ao vigário, quando se trata do Padre Julio Lancelotti?  

Tranquilo,  o Padre Júlio continuou, e sem piscar mostrou- está vendo esse monte de livros ai ?( o cenário do Bosco, que grava em casa, como todos os outros, acredito, é sua biblioteca de prateleiras cheias  de conhecimento do chão ao teto, que bom) Essas pessoas não tem livros, disse o Padre. Mais ou menos assim, nas entrelinhas: não se trata de intelectualizar a situação, nem falar bonito.  É agudamente o real do corpo com a incidência nele da fome, do frio, da chuva,  da fraqueza, do duro chão para não se aconchegar . A realidade do Brasil,  pé no chão, pé descalço, pobreza triste, miséria vivida por grande parte da população. 

Ou seja o Padre Julio, pode até conhecer Freud e  Lacan. E certamente, tudinho dos escritos bíblicos. Ao mesmo tempo, imagino que deve ser dificil o sujeito estar nesse lugar em que parece terem colocado o Bosco, em um programa de televisão:  ser o inteligente,  o "lido" que tem opinião formada sobre tudo. Se a pessoa não não tiver muita experiência,  sem ensaio e no improviso, pode escorregar mesmo. Deus tá vendo? Tá perdoado. 

O mais importante foi a mensagem do Padre Júlio, sobre esse momento de pandemia, de acirramento da pobreza mais pobre,  deixo aqui o que procurei assimilar:

- por que não dar dinheiro a quem pede, na rua? Não inventemos desculpas, podemos dar sim. Não importa se é para comprar cachaça, sorvete ou o leite das crianças. O desespero é muito grande.

- Tem situações em que  a pessoa se encontra em  tal precariedade  que  precisa beber,  se anestesiar, até para conseguir dormir. Não é por "alcoolismo" ou por "vagabundagem":  as vezes está cercada por  percevejos- por exemplo. Sem ter onde tomar banho, sem ter uma roupa limpa. Não é divertido como mais ou menos disse a primeira dama do Estado. . Doemos roupas, de preferencia, limpas e em bom estado.

- Essas pessoas desabrigadas ficam invisíveis  as outras, "ate a hora em que incomodam"- ao se aproximarem

- Não são santos, como os ricos e bem nascidos também não são. Mas é preciso olhar sem medo, sem asco a essas pessoas. Um sorriso vale. Um bom dia. O tal do  reconhecimento... 

-  O Padre Julio deu exemplos pontuais de pessoas que ele, com ajuda, está pagando hoteis para se alojarem. Por que a situação é para além do limite  do suportável. 

E onde está a saúde pública? Onde está o Estado, a prefeitura?  Onde estamos nós? Em casa. Mas, vendados?


   

2 comentários:

  1. Olá! Gostei muito do blog e já o segui! Quero convidá-lo a visitar e a seguir o meu blog de volta <3

    www.pimentamaisdoce.blogspot.com

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    1. Ola, obrigada pela visita. Fui la conferir seu blog. Bjs

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