12 outubro 2014

Menina Sabor Cajú.


Minha mãe tinha um sítio em Saquarema,  litoral do Estado do Rio. Coisa mais linda aquele lugar. Eu me sentia bem ali, mais viva, vibrante, conectada com a natureza. Aos 15 anos, as vezes ia para lá sozinha, sentava  à noite em silêncio na varanda e ficava olhando a lua. Ou colocava  uma música no gravador, e ouvia  por horas, na paz.
                                                    praia e igreja de Saquarema

Não havia telefone na casa e minha mãe só ficava sabendo que estava tudo bem, por que não recebia noticias ruins. Confiava. E eu merecia. Ia para lá só para pensar na vida. Curtir.  E era muita coisa boa.

O fundo do terreno dava para a  esplendorosa lagoa de Saquarema. E até aquele cheiro de limo quente do sol,  me fazia feliz. Ah estou aqui, que bom. O pomar, meio terra, meio areia,  era  de cajueiros, limoeiros e pés de babosa.  E o perfume do caju era absolutamente predominante. Eu aproveitava de tudo:passava babosa no cabelo, dizem que fortalece. Aos 15 anos tudo fortalece não é?  Bebia suco de caju e limonada o dia todo.

Aos 18 comecei a namorar um músico. Ah, eu e os músicos. Era um prazer verdadeiro,um orgulho de namorada,  ouvir esse menino tocar violão com seu grupo de chorinho.  Nos encontramos  pela primeira vez no vestibular para musicoterapia.  E  verdade verdadeira, ele me deu uma cola.  Eu arranhava no violão e gostava muito de cantar. Aliás a diretora do curso, dizia que a voz é nosso maior instrumento. Concordo. E isso me fazia sentir uma igual, ali no meio de virtuosos pianistas e violonistas. Mas o fato é que no dia da prova, eu não tinha a menor ideia de como escrever um ditado,  primeiro melódico  e depois, de ritmo.  Aceitei a ajuda. E valeu muito. Aprendi coisas tão especiais naquele ano de curso, que trago comigo até hoje.  Repertório importante para todo terapeuta, uma passagem pela musicoterapia.  Nem preciso dizer o quanto o tom, o ritmo, a modulação daquilo que se fala, tantas vezes conta mais do que as palavras ditas. Ou no mínimo,  fazem com elas um belo conjunto para entendimento de quem se escuta....

Passou esse momento do vestibular e estávamos  de férias. Um dia fui com uns amigos  na casa de um músico, iam ensaiar juntos. Era a casa desse menino. E nos conhecemos um pouco mais.  Como eu ia só para escutar, me agarrei num livro que encontrei ali: “Sombra de Reis Barbudos” ,  que fala da opressão, de um jeito surrealista, simbólico.Vão  crescendo uns muros entre as pessoas. Até que aprendem a voar. Liberdade. É  tudo que uma adolescente sonhadora pode querer. Amo esse autor, José J. Veiga.  Um dos nossos grandes nomes nas Letras, quem dera tivessem mais respeito e  mais reconhecimento, por suas obras incrivelmente fortes e belas. Mas já estou fugindo do assunto  que quero contar. A minha cara: voar.

Dias depois, o músico que também tinha bons livros, me convidou para um show da Rita Lee. Lá fui eu, toda linda. Ali ganhei o livro, com dedicatória, que guardo até hoje por todos os motivos. E também  um beijo. Que se transformou em muitos mais.O  menino se tornou  meu companheiro nas idas a Saquarema. Íamos sempre. Lembro de uma vez, ele, sua prima,  e uma amiga do colégio. Quanta diversão, alegria, e muito  caju, limonada e  provavelmente a babosa. Muita entrada na lagoa, muita praia,  muita noite de lua.

O tempo passou e rápido mudamos de rumo. Fui para outra faculdade. E nunca mais nos vimos.
Há uns  quatro anos atrás, reencontrei essa figura no Facebook, lugar de achados e perdidos, de antigas amizades. Realmente, para mim, o maior  valor dessa rede social.  Ah que alegria, que festa, quanta conversa , quanta recordação.  E uma das frases mais bonitas que já  me disseram: “Para mim você tem cheiro de cajú.” Me contou que sempre que via e sentia o aroma da fruta, lembrava de mim. 

                                                             caju, fruta deliciosa

Tem muitos jeitos da gente ser lembrada na vida de alguém. Mas esse tão singelo, tão especial, me fez sentir um personagem dos livros de Jorge Amado. Como éramos lindos, cheios de riqueza e potência para o mundo que ainda iriamos viver.

Obrigada por me dizer isso,  menino do violão. Aquele tempo foi bonito e gostoso demais Você é uma parte  importante da minha história.  E mesmo com todas as recicladas que a vida nos obriga a dar, talvez ainda guarde em mim,  um  tanto daquela menina praiana com cheiro de caju. Tomara.   


imagens:praia e igreja de Saquarema , encontrada no Google

foto de cajus:CONSEPA.

Ontem doei um exemplar de  "Mulheres Também Gostam de Contar" para uma biblioteca. E minutos depois uma moça veio falar comigo: ela é leitora das nossas páginas de FB: "Mulheres Também Gostam de Contar"  e "Mulheres Sem Prazo de Validade". Fiquei muito honrada, por ela querer me conhecer. Bacana Lilian. Quem escreve gosta de ser lido. E de preferência, que gostem da leitura.
Adorei.


11 comentários:

  1. Mas que texto mais saboroso, Camille! Delicioso de ser lido pela fluência com que é escrito, pelo sabor de memória, pela verdade que guarda.
    Gostei muito!
    Abraço!

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    1. Oi Jussara, muito grata pela leitura, comentário de quem leu mesmo. Você tem blog? Bem vinda, sempre.
      Abs!

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  2. Delícia de texto! Fui lendo e realizando as imagens daquele tempo, da menina que você foi (devia ser uma gatinha) e do cheiro afetivo que ficou na sua e na memória do menino.
    Ahhh como é boa a juventude, a gente faz as coisas sem medo, sem pressa, sem imaginar o amanhã!
    Este lugar eu conheço também, já fui algumas vezes à Saquarema, da última, subi até cemitério, que para mim foi uma novidade, é tão bonito lá em cima, os mortos de frente pro mar, uma calmaria só.
    A cidade, não sei, deve estar abandonada como todas as cidades do estado do Rio, com desgovernos um atrás do outro, mas o mar, continua belo e forte por aquelas bandas.
    um abraço carioca e muitos beijinhos.



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    1. A cidade sempre esteve meio largadona. Depois desse tempo,namorei um designer.Voce acredita que um dia entrei na prefeitura e disse ao prefeito:como é que pode essas ruas semsinalizaçao ( sem nome e sem indicaçoes para turistas) , os funcionarios todos sem uniforme!!! Arrumei um trabalho para o namorado. Menina nova e valente, entra em todas as portas. O prefeito deve ter se surpreendido e aceitou a minha sugestão, ja com quem pudesse fazer como indicação. Eu bem que gostaria de voltar a Saquarema Beth. Essas lembranças são muito vívidas. Só falei para o "menino" não colocar nenhum comentario aqui,hehehehe. Ele disse "claro, sou um cavalheiro". Que otimo, o tempo passa. Mas que bom que temos memoria e ainda, que podemos conservar como amigos, pessoas que foram tao queridas. Quando voce for de novo a Saquarema, tira uma foto e manda para mim Posta. Bjos querida.,e um abraço carioca, um tanto paulista.

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  3. Camille, que texto lindo de belos momentos. Esses anos sao dourados e por isso têm cheiro de caju, pipoca, algodao doce, rs.
    O Christian meu marido, tem uma foto linda lá do alto do cemitério, esse mesmo que a Beth comentou. Ele diz que quando ele morrer ele quer ser enterrado ali. Nao existe lugar mais lindo do que aquele alto, muito bem lembrado pela nossa amiga.

    Bjos

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  4. Camille, que texto lindo de belos momentos. Esses anos sao dourados e por isso têm cheiro de caju, pipoca, algodao doce, rs.
    O Christian meu marido, tem uma foto linda lá do alto do cemitério, esse mesmo que a Beth comentou. Ele diz que quando ele morrer ele quer ser enterrado ali. Nao existe lugar mais lindo do que aquele alto, muito bem lembrado pela nossa amiga.

    Bjos

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    1. É verdade Georgia, não existe lugar mais lindo.Nunca poderia imaginar que seu marido europeu já esteve por la. Sinal que a sábia esposa o levou a conhecer o que há de lindo pela nossa terra. Que bonito ele ter essa ideia. E poética. Os belos momentos da vida, como dsse você são mesmo para ser lembrados. Dourados, cor de rosa, em tons que ainda colorem a nossa vida, mas não com aquela intensidade. Que bom que voce gostou, Vindo de uma pessoa tão sensivel e observadora como você, me deixa muito feliz . Volte sempre. Sempre bem vinda. Bjos para vocês. Cam

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  5. Oi Cam!

    Uma delícia ler este post "sabor caju" ! Tem coisas da nossa juventude que marcam de verdade: good memories! O dia que escrever sobre a minha vai virar documentário...rs rs
    Obrigada pelo comment lindinho que você fez lá no BM - fiquei mais feliz ainda !

    Beijo grande com carinho,

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    1. Tina querida, tenho pensado em você. Eu assistindo cada filme incrivel. Depois te dou a lista, minha coachee para assuntos cinematográficos. Você sabe por que fico encantada com o seu blog ainda mais. Por que agora você não tem mais aquela inibição de falar de si, de escrever por você mesma. Essa grande conquista é toda tua. Pois quero ver o documentario da tua vida. Camera, ação!!! Bjosss

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  6. Olá, Cam
    que gostoso ser lembrada com sabor caju. Realmente vc é uma pessoa muito especial.

    Big beijos

    Lulu on the Sky

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    1. Obrigada Lulu. Você tb e sabe disso. Pois é, essa do cajú eu adorei. Me senti a propria Gabriela.cravo e caju..... Bjossss

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