01 abril 2014

Você acha que é louco quem fala sozinho?

    Às vezes estou parada de carro em um sinal de trânsito e observo com mais facilidade as pessoas que passam. Muitas, mas muitas mesmo, falam sozinhas - e não é no celular e afins. Parecem estar ensaiando uma conversa que gostariam de ter com alguém. Você percebe as expressões mudarem, como se fosse mesmo um diálogo:
-Você acha que vai chover?
-Ah não sei, olha lá, o céu está tão claro....
-Mas o serviço de meteorologia informou que vai chover!
-E o serviço de meteorologia acerta sempre?
-Tem razão, nem sempre... Mas..


                                                 imagem 1

E vai por aí,  a pessoa conversando com ela mesma. E claro que esse é um exemplo banal. Às vezes a "conversa" é um ensaio para pedir um aumento,  declarar seu amor  à fulana, dizer a um paciente que ele vai bem ou vai mal... Nesse diálogo,  a pessoa sorri, franze a testa, e  até gesticula, esquecendo completamente o fato de que  está na rua  e que pode estar sendo observada. O que é excelente. Se preocupar com os outros o tempo todo é tão perda de tempo. Ninguém está prestando atenção. E se estiver, como eu, não é para julgar, mas para entender.

Crianças também falam sozinhas, e quando começam,  se inicia mais uma fase importante do seu desenvolvimento: estão exercitando o diálogo interno. Que vamos manter até a fase adulta, provavelmente, a vida inteira, sem precisarmos  falar alto. Se você observar, vai descobrir quantas vezes por dia, argumenta com você mesma(o), em pensamento,  os prós e os contras de alguma situação, de um sentimento, ou de uma atitude que tem que tomar. Diz para você coisas que gostaria de ter dito para alguém e não teve coragem. Ensaia para que da próxima vez a coragem apareça. Enfim, falamos sozinhos sim. E o tempo todo. Seja na rua, quando a distração, ou o estresse, ou a quantidade de gente que passa, nos impele a  mover a boca e nos expressar de forma mais veemente. Ou silenciosamente e sem aparentar na fisionomia, procurando organizar os pensamentos. Em um processo de  nos escutar e nos entender também.


Quantas centenas de vezes você quis relatar um sentimento, uma forma de ver as coisas, uma dor, uma beleza para alguém e não teve um ouvido que escutasse com todo carinho e acolhesse, com vontade,  aquilo que quis dizer?

Com certeza foram muitas. E não é por maldade que não escutamos direito uns aos outros. Às vezes temos uma necessidade tão... gritante de sermos ouvidos, que não temos ouvidos para a fala de mais ninguém..

Existem profissões em que você treina a escuta. Como a minha. Primeiro, treina falando, e alguém treinado ouve você, pondera, pontua a sua conversa consigo mesma(o). E estando ali com essa presença que escuta o que dizemos, e percebe o sentido do que está sendo dito, vamos nos capacitando a nos ouvir também. A dar sentido ao que falamos. E daí escutar as outras pessoas, é um pulo. Mais fácil. Trabalho da Psicologia, da Psicanálise. E cá para nós, de todo ser humano.

É claro que essa fala e essa escuta vão variar em profundidade e em intensidade. Você pode se limitar a contar as coisas que acontecem corriqueiramente no seu mundo. Ou falar, falar e falar, e deixar sair, para que seu inconsciente, seu cérebro, sua mente que guarda tudo, embola tudo e faz um mix variado das suas percepções e sentimentos possa começar a desenvolver uma ordenação e um melhor conhecimento de si.

Com o passar do tempo você está craque nisso: um assunto leva a outro, que leva a um sonho, a uma lembrança da infância, ao que o namorado disse um dia desses, a um pensamento que você teve  ao sair de casa, e tudo vai ganhando fluência e importância. E as vezes também des-importância. Quantas vezes na vida um problema que parecia monstruoso e intransponível se torna pequeno e deixa de ser, porque contamos a alguém que pode escutar, ponderar e de repente até um ponto de vista, por onde ainda não tínhamos olhado?
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Então, o que é melhor? Escutar ou falar?  Depende do que se fala. Depende de como se escuta. Fofocar é lixo, tagarelar é ansiedade,  da boa. Quantas vezes falamos, falamos e falamos e não dizemos nada? Quem estiver do lado que aguente. E quantas outras tantas fazemos um esforço sobrehumano para fazer alguém entender nossos pontos de vista, sem conseguir sucesso, de forma alguma. Porque não há uma boa escuta, ou não há concordância, ou nossos argumentos são fracos, ou não nos expressamos com vigor. Ou o outro não quer mesmo saber, fazer o quê?

De qualquer maneira sempre vai haver um mal-entendido. Como diz o povo sabido da Psicanálise, aquilo que eu falo não é o que você escuta. Logo, melhor achar graça e tentar outra vez. O seu azul (eu disse 'seu', e não céu escrito errado...)  pode ser quase verde para aquele ali. E aí?
                                          imagem 3

E enquanto tentamos nos entender, uns aos outros, o mais claramente possível , continuamos com nosso diálogo interno, ponderando, organizando, reavaliando, elaborando as coisas da vida, e a maneira que nos atingem, nos provocam,  nos sensibilizam. O que faz parte de manter a sanidade mental e não tem nada de loucura. Ou melhor, de louco todos nós temos um pouco, sim. Ainda bem não é?  É essa "loucura" que faz os humoristas inventarem suas piadas - esse poder observar o mundo de cabeça para baixo e achar engraçado e idiota aquilo que gente acredita ser  tão sério, imutável e importante. Quanto mais pose, mais material para um bom humorista trabalhar.  É essa loucura que faz os atores quererem ser outros,  para experimentar sentimentos e expressá-los de forma a nos comunicar que existem outras palavras, frases, textos. E as histórias podem ser contadas de diversas maneiras. E temos os poetas, que com sua imensa sensibilidade, muitas vezes revelam o não dito.

Toda essa conversa. Conversa? Estou há meia hora falando sozinha... É, ia me esquecendo, os escritores passam horas do dia falando sozinhos.  E isso faz de muitos deles, pessoas geniais. Adoro ler.  E você? Diz para mim: também fala sozinha(o)?




Referências das imagens encontradas no google:
1-Revista Taxi  2- Site opovo.com.br   3- blog gravidaegordinha.com.br


8 comentários:

  1. treinar pensamentos é sempre bom. o bom atualmente ´é q vc pode estar falando ao celular. estar com o fone no ouvido, então alguns ficam na dúvida se vc está falando sozinho. beijos, pedrita

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    1. Realmente Pedrita, nao tinha pensado nisso. Da para fazer aquela disfarçada básica, é o celular.....hehehehe. Bjosss querida.

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  2. Não. Eu não falo sozinha, mas gosto de falar e ouvir também, acho que sou um bom papo, pelo menos nunca ninguém reclamou.
    Percebo que as pessoas estão falando muito sozinhas porque usam aquele aparelhinho na orelha e nem precisam segurar o telefone mais, minha passadeira é uma dessas, fala o tempo todo quando está passando roupa, parece até que está falando sozinha. rsss
    beijos cariocas


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    1. Imagino que voce seja mesmo um bom papo Beth, Seus textos são tão inteligentes, reflexivos. Muito bons mesmo. Quanto a ficar com aparelhinho na orelha, pode ser, estilo HER, o tal filme que o cara anda com o computador em toda parte, vai de celular, mostrando a computadora tudo que ele faz e vê.... Acho isso bem mais louco que falar sozinho. Prefiro o dialogo interno , falado alto, ou só naquela mimica que as pessoas fazem quando estão assim nessa dialogação... Tinha uma empregada aqui em casa full time. Ela ate domia( isso ate o ano passado, acabou essa festa), ela ficava o dia inteirinho dependurada no TIM, que falava gratis para todo lado. Ja viu ne? Tudo ficava bem avoado, mas ela, contente. Bjoss

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  3. Anônimo14:55

    Eu adoro falar sozinha! Gosto de minhas conversas até com os outros pois tenho a impressão de que mais uma vez estou falando prá mim mesma. Também gosto muito de ouvir os outros falaram mesmo não concordando muitas vezes com que está sendo dito, escuto atentamente. E se pedem a minha opinião penso duas vezes se querem realmente ouvir o que penso, Então, silenciosamente, falo mais uma vez comigo mesma. Eu tenho duas pessoas dentro de mim: uma diz que vai e a outra pondera e diz, fica. Dependendo do assunto isso se torna um tormento. E por aí vai.

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  4. Com essas duas pessoas ai dentro, não deve ser facil não. Uma tem que decidir. Agradeço seu comentário. Mas olha só, essa opçao de anonimo já está meio estabelecida na blogosfera que serve para você que não está inscrita, comentar. Mas daí você assina, Escreve seu nome, sua referencia( email ou blog, ou alguma coisa que de ideia de onde você é, tipo: país, cidade. Senão até nesse caso você fica falando sozinha, mesmo que não queira, Por que como vou responder a você, você mesma? Da próxima vez deixe seu nome e referencia. E muito grata por deixar um comentário tão simpático. Comente sempre. Seja bem vinda!!!

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  5. Camille, que lindo que ficou o blog!!!
    Eu falo sozinha, me respondo sozinha, interrogo, me xingo, brigo comigo, bato na minha cabeça me chamando de cabeção e descrevo intermináveis diálogos com outras pessoas que facilmente é quebrado quando as outras pessoas não senguem o script e me faz mudar de assunto... entendeu, né? rsrsrsrss
    Cabeça esquisita mas é a que eu tenho e que me leva a lugares que eu nem sei se existe, me faz conhecer pessoas espetaculares e horrendas... depende de como será o papo comigo mesma....
    Ixi.....
    Beijos, amiga linda!

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  6. Que bom que voce gostou Clara!!!! Você é mesmo uma figuraça, fala aquilo que em geral as pessoas colocam meio pra debaixo do tapete ne? Sou assim o que é que tem? Naaaaada, voce esta muito certa. Todo mundo é meio assim. E esse dialogo pode baixar um pouco com yoga , essas coisas, mas o tempo todo estamos pensando e ao pensar, dialogando tb. A cabeça é uma riqueza que a gente tem. Super beijos querida e grata pelo comentario,
    Cam

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