20 abril 2008

Aprender a ler para escrever a própria história

Eu pensei que não tinha o que escrever sobre o analfabetismo no Brasil, por que como não estou no momento fazendo nada para combate-lo, só escreveria o que todo mundo já sabe. Mas, lendo alguns posts de vocês, me lembrei de uma coisa interessante para contar: no curso de Psicologia tivemos que fazer dois estágios sobre "Escala Wechler de Inteligencia". É um teste que se originou na França e se "aperfeiçou" nos EUA e que pretende medir a inteligencia de crianças e adultos.
Ao ler o teste pela primeira vez, tive um choque: as perguntas são tão burguesas e elitistas que pressupõe que por tras daquela criança que vai responder existem pais no minimo alfabetizados, com uma excelente cultura e que puderam proporcionar o melhor aos seus filhos. Já eliminaria a maior parcela da nossa população. O mais lamentavel ainda, mas que não deixa de ser interessante é que esse teste foi "traduzido" da cultura americana para a cultura brasileira.
Como assim? Onde se perguntaria: quem foi Lewis Carol, entra a pergunta- quem foi Monteiro Lobato? Onde se perguntaria quem é Bill Clinton, se pergunta- quem é Fernando Henrique Cardoso, enfim um presidente já fora de mandato, para ver se a criança assimilou nossa historia e tal.
Ai eu pergunto a professora: nos Estado Unidos as crianças de famílias pouco abastadas conseguem responder isso? Ah claro que sim, é o minimo, ela responde. E eu digo: duvido que uma criança de familia de baixa renda, seja capaz de responder a qualquer dessas perguntas.
E fomos para a prática: uma criança da favela de Heliopolis, com o consentimento da mãe vem ser a nossa "cobaiazinha". Somos obrigadas a perguntar a sequencia toda, do genero: "cite tres moedas internacionais". O menino diz: "moeda e nota de dinheiro". Mostramos uma ilustração de uma banheira e perguntamos: o que falta aqui? Ele responde: " agua". Resposta errada, o certo seria responder que o que falta é o ralo da banheira. Será que esse menino algum dia viu uma banheira? Outra ilustração: uma treliça com parreiras de uvas, faltando uma ripa de madeira. O que falta aqui? Ele responde: "não falta nada. " Ou seja, tem o QI emocional para contestar a pergunta do teste. Mas está errado: deveria ter senso estético suficiente para saber que falta a tal ripa de madeira. O que seria muiiiiiiito dificil de perceber, mesmo que tivesse uma plantação de uva la na favela. Quem foi Monteiro Lobato? "Presidente do Brasil".
Depois de muitos “erros” assim, o menino que já chegou com pré-diagnostico de deficiencia mental, fica carimbado como pouco inteligente pela taxativa escala e é encaminhado para uma "classe especial". Imagina o que pode ser uma classe especial numa escola nas proximidades da favela de Heliopolis. E o menino era esperto, fez alguns quebra-cabeças muito mais rápido do que nos as aprendizes de psicologia. Mas não passou no crivo da falta de cultura do brasileiro.
O que quero dizer com isso? Que nos EUA se essa escala funciona, signifca que a pobreza já está apartada da ignorancia, da falta de cultura, do não acesso a escolaridade. As escolas publicas ensinam e há vagas, merenda, transporte, auxilio a familia, etc. Aqui estamos na miséria mais assustadora e no analfabetismo total.
É tudo injusto, inclusive a avaliação de uma criança que teria tudo para se dar bem na vida, mas é culpabilizada, achatada pela cultura que não tem. O mesmo se pode dizer da evasão escolar. O menino fica de saco cheio de “não aprender” e foge. A alfabrtização é fundamental. Mas acredito que ela funcionará no Brasil com o método de Paulo Freire, o autor da frase que é título desse post. Utilizando o meio ambiente daquela criança como material didático, com as “palavras geradoras”. Por que ai ela se insere. Longe das parreiras de uva e das banheiras. Perto das poças e das mandiocas. Enfim, daquilo que se conhece. E para isso é preciso alfabetizar nossos políticos.
Por que Paulo Freire não foi ministro da Educação no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso?( Depois ele morreu). A única explicação é manter o tal “ exercito industrial de reserva” que ele tanto criticava quando era apenas sociólogo. Ou seja, tem que deixar uma massa ignorante para os salários permanecerem baixos Sempre terá alguém desempregado a fim de ocupar o seu lugar, ouviu operário? Então trabalhe por pouco e dê graças a Deus. O que de EFETIVO o Lula esta fazendo pela nossa Educação? Enfim, é isso. E parabéns a vocês que tantas coisas fazem para acabar com o analfabetismo no Brasil

ps: só agora me dei conta que a postagem coletiva foi dia 18. Mas com certeza, vale para todos os dias.

9 comentários:

  1. Anônimo11:43

    Muito interessante o seu post. O menino que vocês entrevistaram por certo é muito inteligente mas sem oportunidade o que será de seu futuro?

    Um abraço

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  2. Anônimo12:22

    Ótimo post e claro que cabe em qualquer dia desde que tenhamos vontade de mudar, fazer algo para os meninos desamparados de escola e educação. Oportunidade de estudo, eis a questão.
    boa semana
    bjs

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  3. Anônimo15:28

    Camille, parabéns pelo excelente texto, bastante apropriado à nossa triste realidade, independente da data da postagem coletiva. "E para isso é preciso alfabetizar nossos políticos." Esta frase, que retirei do seu texto, mostra muito bem que, além dos nossos analfabetos oficiais, funcionais e alfabetizados que não sabem ler ou escrever, também nossos políticos (grande parte deles) necessitam ser alfabetizados. Lembre-se que até nosso digníssimo presidente já fez declarações a respeito do "orgulho" que sente de sua mínima cultura. Enfim, enquanto não tivermos um governo sério e bem intencionado, não deixaremos de conviver com essa tristíssima realidade marcada pela falta total de recursos para saúde, cultura e educação. Abraços.

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  4. Excelente post, parabéns.
    Eu já sabia destes testes fajutos, e concordo que o método do P Freire é o ideal, sempre, em todas as classes.
    Claro q e o menino não ia se dar conta da falta de ripas! imagine... vivem numa precariedade enorme, falta além de ripas, dentes. Se lhe mostrasse uma boca desdentada talvez nem notasse a falta dos dentes tb. Pobre dos pobres.

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  5. Anônimo11:24

    Camille: ja tinha te mandado o email da Daniela: danikyr@yahoo.com.br

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  6. Cam o importante é participar e você deu o recado muito bem dado, parabéns!!! Obrigada pelo seu comentário, tão carinhoso. Também torço por você. Bjks e boa semana!

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  7. Oi Camille!

    Post cheio de verdades, com certeza. Muito bom te ler. Vale todos os dias.

    beijos moça e boa 4 feira,

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  8. Ah! respondi sobre o Olivier lá :)
    bj

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  9. Sem querer ser chato, mas já sabendo que o sou, sempre fiquei cabreiro com esses testes de inteligência. Alguns, como o que você citou, são mais testes de conhecimento do que de inteligência. Já fiz teste que me deu 168 de QI como já fiz teste que me deu 64. aliás, ainda me questiono o euqe é mesmo inteligência.

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