09 julho 2012

A Flor da Pele.

    Enquanto escrevo, assisto na televisão um programa sobre "Ictiose Arlequim", doença rara em que bebês , a maioria do sexo feminino, nascem com partes da pele muito grossas e brilhantes. A camada externa se parte, morre, descama. E por repuxar para um lado e outro, distorce as feições, os traços da face.   E mães precisam explicar às suas pequenas,  que crescem e ganham autonomia para sairem sozinhas às ruas, o quanto são diferentes . Para que  não se assustem diante da rejeição de outros humanos que se constrangem frente ao que não é belo ou "normal".
   Isso me lembra mais uma vez "A Pele que Habito" filme tão profundo e à flor da pele, de Almodóvar: a questão ali é a metáfora sobre pessoas que gostariam ou poderiam  ter nascido em um outro corpo,  de um  outro sexo.
  Na enfermidade exposta na televisão, a coisa é bem mais literal: é a epiderme mesmo. E quem gostaria de estar naquela pele?  Eu não gostaria. Ao mesmo tempo em que consigo me imaginar com aquele sofrimento. Ou me solidarizar àquelas famílias com suas meninas e adolescentes, tão doídas, desde cedo.
                                                             Camélia  Nipônica
   A doença pode afetar o pulmão e a respiração, mas o maior peso é a questão estética. O que dói é não ser "semelhante" e por isso mesmo, considerada(o) desigual, anormal. O que machuca mesmo, é a rejeição. Dá para entender.

                                               Ser humano com Ictiose Arlequim.
                                           Essa foi a foto menos chocante que encontrei.

  Por qualquer coisinha somos alijados do grupo que nos é caro , importante e até vital ao nosso sentimento de pertencer.  Rejeita-se até por inveja:  pelo "semelhante" ser mais bonito, mais bem sucedido,  mais rico, mais talentoso, mais mais mais, o que? Algum de nós é imortal?
   E aí o lindo, o rico, o talentoso, o bem nascido, precisa se haver com suas graças. E dizer bem delas, indiferente  aquele que ali passa. Para que, aquilo que é bom,  não se transforme em desgraças. Por que o que se crê como bom  é estar junto e ser "igual."
   Será? A Psicanálise vem nos mostrando que podemos chegar ao melhor de nós mesmos, numa constante e infinita  revisão. E que a coisa mais parecida com  a felicidade é nos assujeitarmos a ser quem somos e não o que qualquer um outro "semelhante" é ou será.. Por que nunca seria  examente  nós mesmos, com nosso jeito de sentir  e estar no mundo. 
    Descobrir e sustentar a nossa singularidade, o nosso ser, é o lance. Olhar no espelho sem desmaiar.
  Você consegue? Eu consigo. Mas as vezes também peço arrego, bato na lona, jogo a toalha e vou procurar ajuda. E olha que são anos e anos e anos de trabalho comigo mesma.
   O rei está nú mesmo e nem adianta fingir que não viu. Você é feliz, realizada(o), tranquila(o), em paz? Ou sua guerra interior é tão imensa que é preciso um "rebolation"a la conga,  la conga , para disfarçar a enorme insatisfação diante da disparidade entre o que sonharam para ti e o que você,  com muito esforço,  conseguiu realizar.
   Então, vai,  pede desculpas! Anda, pede desculpas por não ser o que estava previsto para você. E pede essas desculpas a quem? Ao Criador? Entendo o Criador e a existência do universo, como a mesma força. E se há um  Criador, que nos fez como somos, imperfeitos e com caminhos a percorrer, não precisamos dar explicações. Ele está por dentríssmo da situação de cada um. Pede desculpas a sua mãe, ao seu pai ao seu irmão, seu tio, seu marido, seu filho. A quem afinal? A ninguém. Não é preciso pedir desculpas . E nem a dar desculpas esfarrapadas por aquilo que não queremos ou não conseguimos alcançar.
  Calma. Nosso mau-caratismo intrinseco tem solução. Todas as vezes que você puxou o saco de fulano, mentiu para beltrano, fofocou, se fantasiou de principe ou princesa para não sei quem e criou falsas expectativas a respeito de sua pessoa, pode ter sido com a melhor das intenções. Pode ter sido por querer acreditar por uns minutinhos que era possível ser outra coisa. E melhor. Masssss,  observa.
  Quem não é sociopata, há de morrer de culpa e vergonha por esses  pequenos deslizes entre "semelhantes".  Chega a ser um bom sinal: culpa. Melhor ainda é podermos nos aprimorar em sermos nós mesmos, passando na pele por nossa própria análise. E ao estarmos sujeitos a apreciação e depreciação alheias, podermos olhar, virar as costas e sair cantando. Dá  trabalho, mas é atingível. Sempre "buscavel". Meta constante até chegar lá. Em você , na real.
  Enquanto isso não está à mão - o processo que nos fará mais humanos - pouca condescendência com nosso espírito de porco com relação aos "semelhantes". Quem puder que ponha a mão no bolso, no coração, na cosnciência. . Enfim mais generosidade e menos mesquinharia, enquanto isso. Está bonito assim? É, vamos parar por aqui, por hoje.
  O programa sobre as meninas raras já terminou. Aquela dor já saiu da frente. Mas a dor de existir continua em cada um de nós.  Portanto, sejamos um pouco mais "semelhantes".

                        Frases das meninas com "Ictiose Arlequim":
                           " Eu sou normal mas queria ser mais" 
                        "Eu queria acordar um dia sem essa doença" 
                "Aconteceu de nascermos assim, então é. É isso mesmo"

                            A todos nós uma boa semana, sem tanta frescura.

12 comentários:

  1. Tõ chocada com essa doença.
    Big Beijos

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    1. Pois é Lulu, a gente estranha mesmo. Mas já imaginou o quanto chocada devem estar as pessoas que tem essa doença? Doído ne?
      Beijos querida, boa semana!
      Pros paulistas como nos, a semana começa amanha...

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  2. Cam, eu conheço um menino que hoje em dia é uma rapazinho, mas o conheço desde de bebê e acompanhei a luta dos pais com esta doença rara desde o início.Conheci este casal na igreja católica, fazíamos parte do mesmo grupo de ajuda às pessoas carentes (de tudo e independente de religião. A Sociedade de São Vicente de Paulo). Eles fazem parte de uma família, enorme, de muita fé, unida e animada, e acho que crescer neste ambiente, com todo mundo tratando Heitor da forma mais natural possível, fez com que ele fosse super bem resolvido desde novo. No colégio era o preferido das professoras e coleguinhas, sabe como é? Cresceu uma rapaz querido, educado, e diferente, mas super de bem com a vida.
    Adoro seu blog e a forma como vc escreve, quero pedir milhões de desculpas tou doida para comprar seu livro, mas cê sabe que tou catando emprego desde o ano passado, mas até agora niente! Mas faço uma propaganda de dar gosto, já falei dele até com meus amigos portugueses. Tenho muito orgulho em ter uma amiga como vc, mulher linda por dentro e por fora e que merece tudo de bom nesta vida.
    Beijos, Jan

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    1. Querida Jan,
      Do final ao começo do teu comentario: muito grata pela força. Você é umas das pessoas mais constantes que eu conheço na vida. Não é so na blogosfera não: sempre doidinha. hehehehe. Brincadeira querida: você é alegre, solidária e amiga fiel, sabe o que é alteridade, se colocar no lugar do outro e sentir o que ele sente. Qualidades que prezo muitissimo.
      Sobre esse rapaz que voce conheceu, deve ser uma raridade no mundo. Coisa dificil ser raridade, quando nao se é um Einstein ou coisa assim nao é? Acho que devia ser dificil ser Einstein por que fugia do padrão. Ser humano morre de medo daquilo que é diferente da forminha Que bom que houve todo um grupo para amparar esse menino e ele poder crescer no acolhimento de amigos e parentes.
      Quanto ao livro, se eu pudesse te dava um, mas depois do lançamento... te empresto o meu...sei la , vamos dar um jeito. Tomara que voce consiga logo um trabalho. Estou na torcida. Um beijo e grata por seus comentarios,
      Cam/ Paulinees

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  3. Ah, Camille, nosso mundo e nossas dores!
    Não vi este programa, mas imagino o que seja e o quão difícil é para estas pessoas circularem, terem uma vida em sociedade, principalmente a nossa que tudo olha, repara e comenta. Nunca vi um ser humano com esta doença que nos fala, mas vi noutro dia uma moça, alta, cabelos loiros, de costas parecia normal estava acompanhada de outras duas jovens que pareciam ser de sua família, estavam em uma loja de lingerie e eu entrei para comprar algo e fiquei ao seu lado, mas quando a vi de frente, sinceramente, não posso negar, tive um susto, mas, claro me contive e não fiquei encarando, procurei agir naturalmente, pedi o que queria e fui me embora em seguida. A mocinha balconista atendia a ela naturalmente e achei aquilo muito bacana da parte dela, demonstrando maturidade e espiritualidade. Mas, o caso dela era o que descobri ser neurofibromatose e que o corpo todo, inclusive o rosto, fica cheio de pequenos tumores, como bexigas murchas, muito impressionante mesmo.
    O fato é que não podemos alijar estas pessoas do convívio social, elas precisam viver, comprar, se divertir, almoçar fora, ir a qualquer parte sem serem molestadas ou vistas de forma diferente. Doenças acontecem em seres humanos, portanto qualquer um de nós está sujeito a isto, não somos postes afinal!
    beijo grande, carioca

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    1. Não é Beth? Situaçao dificil que voce passou, encarar no susto e fazer cara de "paisagem". A unica coisa possivel. O a-normal, diferente do normal assusta. Mas imagina a dor da propria pessoa, deve ser terrível. Ja somos ruins a beça com qualquer estranhezinha, que dira com uma deformidade nao é? Concordo com voce, nao se pode é alijar essas pessoa do convivio social. Seria mesmo um absurdo. Mas o preconceito alija, o medo do olhar do outro, prende alguem em casa... Eta mudo dificil, espécie amedrontada e cruel a nossa ne? Ser humano anda muito diferente de ser humano, por ai em geral.
      Beijos querida, voce é muito humana. E, "se todos fossem iguais a voce, que maravilha.."..

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  4. Oi Amigo,
    Tentei entrar em seu blog hoje cedo e nao consegui de jeito nenhum. Meu computador travou. Sobre sesu comentario é isso aí. Voce fala com tanta clareza as coisas na lata, nem precisa acrescentar mais nada. Mundo precisando aprender a ser menos cruel... Bjos

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  5. Oi Camille,
    grata pela visita e comentário lá no meu espaço.
    Grande profundidade nas reflexões do seu texto. Há gente que reclama à toa de ser baixo, de ser gordo, de ter cabelo encaracolado, etc... Que tal imaginarem-se na pele de outras pessoas?
    Tudo passa por aceitação e amor-proprio, para uns e outros. Sei do que falo pois tenho uma menina com atraso mental que é diferente das outras crianças. Com ela eu aprendi a aceitar e amar as diferenças, mas a maioria das pessoas acha que o normal é ser igual. Tudo fotocopia uns dos outros como manda a sociedade.
    Convido você a visitar meu post da blogagem do ano passado (BC Fases da Vida): Nascimento - Entender a deficiência.
    Beijinhos além-mar.
    Rute

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    1. É mesmo, se a natureza tivesse a mesma idéia fixa do ser humano, tudo ia ser mais ou menos da mesma cor, quem sabe.. cinza, azul, amarelo, de toda forma seria chato demais. Crianças com atrazo mental em geral são muito na frente em termos de afeto, ternura e aceitação do proximo sem maiores frescuras. Vem para nos ensinar mesmo. Tenho uma amiga, muito intelectual que sua filha nasceu com uma sindrome rara que nao lhe permite nem decorar o telefone de casa, escrever o proprio nome. Isso nao a impediu de ter um grupo de amigos e de ser a alegria da casa. Essa familia deu um passo muito bonito em termos de compreensão do mundo, de aceitaçao do universo. Elisa veio para abrir portas... Quem puder que siga em frente que atras vem gente. Espero que tua menina esteja bem e seja muito feliz. Beijos querida!

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  6. AH que bom entao Alê que voce pode mudar de site. Vou la ouvir, e outras pessoa tb poderao compartilhar.Deve ser uma coisa linda, como sempre alias.
    Beijos e origada por vir me avisar,
    Paulinees

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  7. Oi, Cam!

    Não conhecia essa doença, que bom que vc escolheu uma foto amena para apresentar, porque o teu sentimento em relação a situação das meninas foi suficiente para captar a ideia do norte do texto.

    Realmente, nessa escravidão que vivemos de exigência estética e capital torna tudo incrivelmente mais supérfluo. Preocupações e julgamentos desnecessários, isso atrasa muito a vida da gente. Uma escravidão... É quase inevitável não reparar. Vira e mexe apercebo-me de uma conclusão minha do tipo "além de tudo, é uma mulher linda" ou "ah, mas era um rapaz tão bonito" e fico pensando que na próxima eu deveria fazer uns exercícios de ver sem olhar, passar além, perceber o que é mesmo importante. Admito minha pobreza, apesar disso não me fazer melhor. Na verdade, é como vc disse, buscar "o melhor de nós mesmos, numa constante e infinita revisão", posso dizer que faço sempre a revisão.

    Bjos,

    Michelle

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  8. Eu tb, e como falei, muitas vezes peço arrego. Quem disse que viver é facil? A gente que aprenda o melhor jeito. E sustente nossa pessoa, palavra, pensamento. Pra alguns mais duro que para outros. Por que? Nao sei. Mas temos que encarar. Se alguem pode viver essa angustia terrivel do diferente, nos podemos minimamente enxergar.
    Bjos,
    Paulinees/ Camille

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