11 maio 2012

Grace Kelly estava ali.

Nesses dias que andei tratando de minha saúde, em um SPA -clínica, encontrei diversidade de jeitos, viveres, pessoas. E uma delas foi uma senhora de bastante idade, sozinha e solitária, daquelas que chegam e saem como uma princesa, sem dizer palavra. O que distraiu bastante a minha já animada imaginação. Que bonita. Bonita de tudo: os traços do rosto perfeito, cabelos brancos cortados de forma moderna o que dava a ela um ar ainda mais misterioso- uma pessoa antenada. Elegancia na forma de andar, de abaixar ligeiramente a cabeça como num cumprimento a quem quisesse compartilha-lo. Simplicidade ao vestir -se com roupas clássicas e atemporais.

Quem seria esse personagem quieto? Quero conversar com ela. Saber de sua vida. Será que posso me intrometer no descanço de alguém que aparenta estar ali para não ser incomodada? Meu livro, "Mulheres Sem Prazo de Validade" me dava um impulso a mais- aquela senhora tão interessante, parecia a encarnação de toda a idéia.

Eu já estava no auge da felicidade porque, em uma aula de hidroginástica-tinha de ser- com montes de mulheres e homens de todas as idades, anunciei o livro, não por que tivesse premeditado esse "propaganda" , que a mim pareceria oportunista. Mas por que lembrei que o primeiro texto " A Hidroginástica e o Pra Sempre" se passava em um cenário como aquele. Então ao final da aula pedi licença a professora e falei para todas (os). Disse que deixaria um exemplar no display da entrada, e que embora não houvesse nenhum para a venda, poderiam pedir pela livraria on-line, caso gostassem.

Assim logo no primeiro dia, dei um ótimo motivo para que todos se aproximassem de mim quando quisessem: perguntar sobre o livro. E nada dessa senhora falar e eu sem coragem de saber qual seria sua intrigante história de vida, o que a teria deixado até tarde com aparencia e semblante tão belos. Comecei a perguntar aqui e ali e ouvi : "viveu em um campo de concentração na Alemanha," "é uma pessoa dura, mas boa gente". "Não parece gostar muito de conversa. Outro disseram que era a Rainha da Inglaterra e ela não gostou nada, disse que não era rainha de coisa alguma e a pessoa pediu até desculpas."..

Não é possivel, "pessoa difícil "não parece ser o título que a defina. Vou tentar ,eu ,falar qualquer coisa. E na minha última noite, na sala de jantar, antes que a comida fosse servida, fui à sua mesa: posso conversar com a senhora? Com uma voz firme mas muito afetiva ela disse: claro, o que você quer conversar comigo?

Fui honestíssima: quando cheguei aqui percebi que a senhora era a mulher mais bonita desse lugar ( como isso me lembrou minha avó que gostava de ser a "rainha da festa")- ela sorriu. E como acabei de escrever um livro... Ela me interrrompeu: aquele que voce falou na piscina? Que bom, pensei, ela está ligada, presente e também prestou atenção em mim. E respondi- sim aquele, a senhora parece ser a encarnação daquilo tudo. E desde que cheguei queria muito ter a oportunidade de conversar. E por que não conversou, ela me pergunta. Por que fiquei sem graça, constrangida de interromper sua rotina. Depois passei a perguntar às pessoas sobre a senhora tão linda, e me disseram que viveu em um campo de concentraçao. Mais uma vez ela me interrompe- não gosto de falar sobre esse assunto.

Mesmo com essa advertência, marquei de conversarmos depois do jantar. Sentamos em um jardim de inverno, que estava mais vazio aquela hora, e comecei simplesmente a contar da minha vida e do quanto gosto de saber das pessoas. Resolvi apresentar uma situação minha, que não é o caso de comentar agora, mas que refere-se a uma escolha com relação a cultura judaica.

Dona Belle ouviu-me atentamente. Perguntou-me coisas diversas, como minha idade, se era casada, quantos filhos. Ao ouvir de mim, falou um pouco de si: viúva ha 22 anos, frequentadora e voluntária da mesma sinagoga que minha filha de 11 anos frequenta, por seu pai ser judeu.

Isso nos abriu um campo comum- passamos a falar de rabinos queridos. De minha atração pelo judaismo bem antes de me casar. Ela diz pensativa, que o anti-semitismo está mais uma vez espalhado pelo mundo. Que gosta muito de determinado rabino, por quem eu também tenho grande respeito, e que considero ter sido bastante injustiçado pela comunidade, há anos atrás. Ela me ouve, retruca, mas é incapaz de fazer um julgamento. Diz apenas que o novo rabino é também muito inteligente e simpático. O que eu concordo.

Parece que começamos a ficar amigas e ela me conta que veio para o Brasil com o marido. E que aqui trabalhou todo o tempo em um instituto alemão. Diz: "imagine eu, trabalhando com alemães. Mas me assegurei de que teria contato com pessoas jovens, que não viveram a guerra, e nada tiveram com aquela época".

Como se estivesse pisando nas pontas dos pés, pergunto se ela e o esposo tiveram filhos. E ela me diz que "tem dois filhos maravilhosos e duas netas maravilhosas". Não tenho coragem de indagar se esses filhos nasceram no Brasil ou vieram com eles da Alemanha. Tantas pessoas perderam suas crianças, não queria levantar essa possível dor. E continuamos a conversar, sobre minha sogra, que já faleceu. E mais um tanto de assuntos recentes, articulados, que só fizeram aumentar minha admiração por dona Belle, realmente uma "mulher sem prazo de validade" e mais do que isso, um ser humano íntegro, consciente, atento ao mundo, desses que a gente não encontra todos os dias.

Ao final nos abraçamos, nos desejamos felicidades. Dona Belle insistiu que eu deva me casar novamente ou pelo menos começar a namorar alguém e ser feliz em uma nova relação. Diz que sou linda e jovem. E eu retribuo, dizendo mais uma vez, agora toda derretida com tanto carinho: a senhora é que é linda, maravilhosa, lúcida, inteligente, tuuuuudo de bom. Foi imenso prazer conhece-la. Ao que ela me diz, de forma serena e certeira, no meio dos meus elogios entusiasmados: eu só quero ser gente.

Joguemos fora nossas frescuras, firulas e fantasias mais arraigadas. Não precisamos delas. Fui arrumar a mala com lágrimas nos olhos por aquele encontro comigo mesma, diante da realidade tão bem dita por aquela senhora de rosto lindo, imagem da superação. Dona Belle, concordo com a senhora. Nessas alturas da vida, ja aprendi o que de fato importa e eu também, só quero ser gente.

(imagem encontrada em busca no Google)

4 comentários:

  1. Oi Camille!

    Linda e comovente crônica minha querida, parabéns!

    Eu gosto muito de conhecer pessoas assim e raramente me engano: sempre são interessantes, a gente sempre aprende.

    Beijo grande querida e Feliz Dia das Mães !

    ResponderExcluir
  2. Alguma coisa estranha aconteceu aqui: hoje eu corrigi todo esse texto e ele voltou ao original, sem as correçoes. O que pode ter acontecido? Bjos Luma, obrigada pela sua atençao, dedicaçao e amizade.

    ResponderExcluir
  3. Finalmente te encontrei Cam. Tentei visitar seu antigo blog e ficou bloqueado pra mim. Como não tenho seu email, não consegui manter contato. Mande o seu e-mail na minha página de contato ok?
    Big Beijos

    ResponderExcluir
  4. Tina e Lulu,
    Que bom que voces me encontraram aqui na casinha nova. Sejam bem vindas queridas!!! Beijos

    ResponderExcluir


COMENTE, DÊ A SUA OPINIÃO. Você é a pessoa mais importante para quem escreve um blog: aquela que lê, que gosta ou não gosta, e DIALOGA.
Bem vindas. Bem vindos. Você pode comentar, escrever seu nome e para facilitar, clicar na opção "anonimo", ou pode se inscrever e comentar. Acho a opção, que se coloca o nome e uma forma de contato, + a opçao anonimo, VALIDA. Grata e aguardo seu comentário.

Até as princesas podem ter câncer. A vida não é um conto de fadas...

       Olá, que a vida não é um conto de fadas, você já sabia não é... Basta estarmos vivos para chegar a essa conclusão. A vida é dura desd...